Os abusos de Catanduva teriam acontecido numa "mansão com piscina onde as crianças [eram] filmadas, fotografadas e molestadas". Esta descrição é sem tirar nem pôr a mesma do caso da Escola Base. Mansão é fantasia de adulto, não de criança.
"[A] criança não reconheceu a casa, nem a cor da motocicleta", conforme a delegada que acompanhou o reconhecimento. Ainda segundo ela, "a criança foi colocada em um veículo da polícia acompanhada da avó. Em seguida, dirigiram-se até o local e passaram três vezes em frente à residência. A vítima de abusos, no entanto, não [reconheceu] o imóvel".
Pois bem, a mãe garante que a criança reconheceu a casa, sim. E a juíza disse a mesma coisa– antes de ter o relato da delegada! E como é que elas saberiam? Nem uma nem outra estavam presentes. Imparcialidade não é divulgar as duas opiniões como se tivessem o mesmo peso; é submeter ambas à análise.
As fotos desaparecidas
Há uma matéria de 19 de fevereiro dando como certo que haja "fotos e filmes apreendidos no inquérito". Logo depois, já não há mais fotos: "Como estas fotos não foram localizadas pela polícia, a juíza da Vara da Infância e Juventude de Catanduva, Sueli Juarez Alonso, acredita que elas tenham sido publicadas na internet e por isso pediu o apoio da Polícia Federal."
Uma outra matéria dá uma desculpa para o "sumiço de provas dos abusos, como fotos em que crianças da cidade apareciam nuas, e de depoimentos dados pelas crianças, que desapareceram de um dos inquéritos". Isso, aparentemente, segundo relato de uma mãe. Confirmação que as fotos existiam, ou de que os depoimentos sumiram, não há nem no Estado de S.Paulo nem em qualquer outro lugar. Por certo, só sabemos que ninguém pode, agora, comprovar que estas fotos jamais existiram.
Este relato posterior de "sumiço" é o tipo de desculpa que jornalista sempre agarra para não ter que dizer: "O que reportamos antes era falso."
O reconhecimento dos acusados
As crianças foram levadas para reconhecer oito suspeitos e o Estado largou a manchete "Vítimas reconhecem três suspeitos de pedofilia em SP". Já no primeiro parágrafo, passa para "pelo menos três." Lendo a matéria, acho que "Vítimas reconhecerem somente dois dos oito suspeitos" seria mais correto.
Uma matéria anterior à diligência, esta da Agência Brasil, era ainda mais absurda: "Vítimas de pedofilia reconhecerão suspeitos em Catanduva" – uma frase que não deixa dúvida sobre a materialidade do crime, nem da isenção do jornalista, ou para que resultado ele estava torcendo. (A versão da matéria no site da Agência Brasil, revisada, abranda as conclusões apressadas.)
Com no não-reconhecimento também há espaço para uma desculpa: "Um deles foi até de touca; outros rasparam, tingiram ou mudaram o corte de cabelo" – disse uma das crianças de oito anos, uma das principais testemunhas do caso. E como é que, exatamente, a criança sabia disso? Ou reconheceu ou não reconheceu. Conjeturar que não reconheceu porque o acusado se fantasiou não tem lógica. E se a polícia ou a promotoria têm condições de comparar a aparência dos suspeitos com seus RGs, o mesmo não se pode dizer da criança de oito anos.
Mais buracos que respostas
No caso da Escola Base, o psicólogo da polícia notou que a mãe acusadora tinha projetado no filho seus próprias problemas psicológicos (e sexuais). Em Catanduva, uma das mães, pelo menos, tem severos problemas psicológicos (ver aqui). Isso não invalida o que ela tem a dizer necessariamente, mas seria o caso de tomar cuidado.
Outro motivo de cautela são as referências a laudos não divulgados. Há relatos de laudos que indicam abuso, mas isso não comprova que os atuais acusados sejam os autores. Houve também no caso da Escola Base, e agora no caso Colina do Sol, relatos de laudos, mas nos dois casos os laudos eram bem diferentes do que a imprensa divulgou.
A isenção da juíza é questionável, a julgar por este relatório. O que assusta aqui é que ela cogita a possibilidade de que "exames psicológicos a serem realizados por sua equipe comprovem que as crianças sofreram abusos". Lembra demais o caso Colina do Sol, em que adolescentes insistiam que não foram molestados, mas uma "psiquiatra forense" (estava no décimo mês de estágio) "com especialização em violência familiar" (tinha feito um telecurso e outro curso não credenciado) disse que foram abusados e a imprensa engoliu.
Eu não conheço Catanduva nem os acusados, da mesma maneira que não conhecia Colina do Sol nem os acusados antes daquelas acusações. Mas no caso Colina, a cobertura também cheirou mal e a verificação in loco comprovou que tinha algo de podre.
No caso da Escola Base, como no caso do Bar Bodega, a seriedade do Ministério Público, que desconfiou, abreviou o sofrimento dos acusados. No caso Colina do Sol, ainda em curso, a promotora não só não pesou a credibilidade dos indícios transmitidos pela polícia, como ornou a denúncia com requintes oriundos da própria imaginação. Resta esperar que em Catanduva a polícia e o Ministério Público sigam o exemplo correto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário